11/04/2024

Receita Federal passa a cobrar IR na doação de cotas de fundos fechados a herdeiros

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal fechou a porta que possibilitava a doação a herdeiros de
cotas de fundos fechados - conhecidos como de “super-ricos” - pelo valor
histórico. Esse mecanismo era usado para escapar da tributação pelo Imposto
de Renda Retido na Fonte (IRRF). O novo entendimento está na Solução
de Consulta nº 21, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), e
deve ser seguido por todos os fiscais do país.
Na solução de consulta, a Receita Federal esclarece que cotas não podem ser
transferidas pelo valor declarado no Imposto de Renda (IRPF) pelo titular
original. Com isso, afirmam especialistas, muito provavelmente, nessas
transferências haverá um ganho, sujeito à tributação conforme as regras de
ganho de capital - alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.
Fundos fechados são formatados para detentores de valores elevados de capital
(acima de R$ 10 milhões) e respondiam, em 2023, por 12,3% dos fundos no
país, somando pelo menos R$ 756,8 bilhões. No ano passado, 2,5 mil brasileiros
tinham recursos aplicados nesses fundos, segundo dados do Poder Executivo.
A modalidade de investimento de fundos exclusivos tem poucos cotistas e
composição personalizada. As aplicações podem ser feitas em renda fixa, ações,
multimercados e outros.
Em geral, essa espécie de fundo não permite resgate de aplicações, apenas a
amortização e liquidação do investimento no fim do período. Até o início do
ano, tais fundos só eram tributados no momento do resgate dos recursos,
diferentemente dos fundos tradicionais. Mas, desde a entrada em vigor da Lei º
14.754, de 2023, também estão submetidos ao chamado “come-cotas”.
“Agora, a Receita Federal fecha outra porta, da doação [a herdeiros] nos fundos
fechados”, afirma Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers. “Talvez a
solução de consulta tenha vindo em um momento em que os investidores já
estão revendo se vale a pena manter o fundo fechado por causa do come-cotas.”
Na solução de consulta, foi solicitado que a Receita Federal se manifestasse
sobre a incidência do Imposto de Renda na transmissão causa mortis de cotas
de fundo de investimento em renda fixa fechado e de cotas de fundo de
investimento em ações, e a possibilidade de que esses bens fossem avaliados a
valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do doador.
No texto, a Receita esclarece que, nos casos de transferência decorrente de
sucessão por herança ou mesmo doação em adiantamento à herança de cotas
de fundos fechados, é cabível a apuração de ganho de capital pelas mesmas
regras aplicáveis à alienação de bens ou direitos de qualquer natureza. O
entendimento afasta a aplicabilidade do artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997, que
permitia que os bens fossem avaliados a valor de mercado ou pelo valor
constante da declaração de bens do doador.
O órgão acrescenta, na solução de consulta, que a responsabilidade pela
retenção e recolhimento do imposto recai sobre o administrador do fundo de
investimento ou sobre a instituição que intermediar recursos por conta e ordem
para aplicações em fundos de investimento administrados por outra instituição.
“A Receita está dizendo que mesmo que doe em vida tem que pagar imposto”,
afirma Bueno. Para ele, o entendimento mudou “drasticamente”. O advogado
lembra que o órgão já considerava que, em caso de morte, a transferência de
propriedade seria equivalente a uma alienação e incidiria tributação, que deveria
ser retida pelo administrador. Porém, considerava-se que se as cotas fossem
transferidas por meio de doação, antes da morte do patriarca, não haveria
cobrança de Imposto de Renda.
Segundo Daniel Franco Clarke, sócio na área tributária do Mannrich e
Vasconcelos Advogados, a Receita alterou seu posicionamento. “Em posição
anterior a Receita havia aceitado que as partes avaliassem as cotas pelo custo de
aquisição, conforme valor constante da Declaração de Imposto sobre a Renda
da Pessoa Física”, diz o advogado.
Clarke destaca que, em 2021, a Solução de Consulta nº 98, que tratou da doação
de cotas em fundo fechado de investimento em ações, permitia que as partes
tivessem avaliado cotas pelo custo de aquisição. Para o advogado, causa
estranheza e pode ser objeto de questionamento a Receita se fundamentar na
intenção do legislador, de acordo com trecho da exposição de motivos.
“Quando a regra veio, a intenção do legislador era evitar que herdeiros tivessem
que alienar outros bens para ter que pagar Imposto de Renda decorrente desse
recebimento”, afirma. A consequência para o herdeiro, acrescenta, é a
probabilidade de pagamento de imposto quando eles receberem essas cotas,
mesmo que não vendam.
Para ele, os herdeiros até podem questionar judicialmente a cobrança, mas
como a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto é do
administrador do fundo, “será difícil a pessoa física conseguir não fazer o
pagamento”.
No entendimento da Receita, essa motivação de evitar que herdeiros tenham
que vender bens seria “totalmente inaplicável” no caso de fundos de
investimento em renda fixa e em ações, que possuem em seu ativo instrumentos
financeiros com liquidez suficiente para serem alienados e pagar o IRRF sem
necessidade de disposição de bens adicionais pelos herdeiros ou doadores.